19 de fevereiro de 2021

Para que o Programa de Compliance seja efetivo é preciso ir além das normas e regras


Fábio Risério

 

Nos últimos anos, organizações de toda natureza têm se deparado com questões críticas relacionadas à corrupção, fraudes, evasão fiscal, formação de cartéis, crimes ambientais, que na sua grande maioria, têm sido relacionadas a decisões advindas das suas lideranças. Os atos ilícitos relatados nos últimos anos têm levado não só turbulência e crises nas organizações envolvidas como também tem comprometido setores econômicos como um todo. E, via de regra, os atos que geraram essas turbulências recaem sobre indivíduos, com nome e sobrenome, que impactam com seu comportamento dimensões tão amplas.

 

O estudo National Business Ethics dos Estados Unidos, em 2016, onde foram entrevistados cerca de 300 executivos, aponta que a chamada “mensagem da liderança” tem papel crucial nas condições que favorecem ações de ilicitudes. Outro indicador extraído deste estudo demonstra que a maioria dos comportamentos antiéticos de líderes surgem como reação às expectativas de responder ao mercado financeiro e ao estabelecimento de objetivos relacionados ao modelo de incentivos, fortes fatores de pressão nas organizações.

 

Colocado isso, fica a questão: como estabelecer limites de ação nas organizações para garantir que padrões éticos e os valores organizacionais sejam norteadores das decisões das suas lideranças?

 

A implantação de Programas de Compliance pelas organizações é uma tentativa de buscar uma solução para esta questão. Atualmente, as organizações têm dedicado uma atenção e esforço para a criação de comitês e códigos de conduta e ética, implantação de canais de denúncias, designação de responsáveis pelos temas de compliance e ética, realização de treinamentos, ações de comunicação, entre outras iniciativas.

 

Mas, será que a implantação de Programas de Compliance estão sendo feitas dentro de padrões éticos? Neste sentido, vale destacar que a grande maioria das empresas envolvidas em escândalos éticos possuíam diversas áreas de controle e um conjunto de políticas em linha com as principais recomendações do mercado.

 

Outra questão surge: por que os programas de compliance não conseguiram promover um comportamento ético exemplar das lideranças nestas empresas? A resposta desta questão está baseada principalmente em três situações que fazem com que esses programas tenham tido uma eficácia limitada:

 

  1. Eles são concebidos sob uma perspectiva meramente legal. A conformidade com as normas não é tratada como algo importante, mas como um mero checklist que deve ser cumprido a fim de satisfazer o público externo. A conduta ética vai além da mera conformidade legal com as normas e, como resultado, a ética é mais que o compliance. Para promover um bom comportamento ético das lideranças nas organizações, é importante ter como foco não as proibições típicas dos programas de compliance, mas principalmente os aspectos positivos e as virtudes que todos devem exibir no ambiente de trabalho.
  2. As áreas de controle criadas por estes programas de compliance quase sempre ficavam desconectados da gestão diária das organizações, principalmente da alta liderança. Isso faz com que essas áreas passem a ser vistas como as únicas responsáveis pela conformidade com as normas, algo que é obrigação de cada colaborador da organização. Vale destacar também que, em algumas companhias, essas áreas não possuíam força política internamente para questionar práticas antiéticas vindas da alta liderança.
  3. Eles foram construídos para pegar as “maçãs podres” e desconsideraram os riscos éticos associados ao ambiente. Os Programas de Compliance dessas empresas tinham como foco coibir atos ilícitos realizados pelas lideranças à custa da organização, e não atos ilícitos realizados pelos líderes em favor da organização.

Se a implementação de Programas de Compliance não foram suficientes para garantir a conduta ética dos líderes destas empresas, qual é o caminho? A solução está na cultura organizacional, que é a combinação de valores, atitudes, hábitos, estilos e regras implícitas que geram o ambiente social e psicológico de uma organização. Ela reflete as normas de comportamento aceitas ou rejeitadas no dia a dia e no que é de fato valorizado no ambiente de trabalho, incluindo os líderes.

 

E como consolidar e preservar os valores éticos nas decisões tomadas pelas lideranças das organizações? Sem dúvida, o papel do sistema de gestão de pessoas é estratégico neste sentido.

 

Por sistemas de gestão de pessoas entende-se todos os processos que implicam decisões sobre pessoas (inclusive os líderes) e que enviam mensagens de comportamento esperado: quem é contratado, quem é demitido, como é composto o modelo de reconhecimento, quais os critérios da avaliação de desempenho e distribuição de lucros, como se decidem as promoções, como se dá o plano de carreira. São todas decisões que emitem mensagens de comportamentos esperados e sua influência é enorme na cultura das organizações.

 

Estudos realizados por especialistas indicam que dois aspectos, em especial, dentro do sistema de gestão de pessoas podem fomentar comportamentos antiéticos nas organizações:

 

  1. Metas irrealistas que levam pessoas ao limite, do ponto de vista ético, para batê-las e adotar uma visão de que é mais importante o resultado obtido do que os meios para o alcançar;
  2. Competição interna excessiva reforçada por um sistema de avaliação de desempenho no qual o “vencedor leva tudo”, que leva as pessoas a fazerem o que for necessário para sobreviver e não serem consideradas fracassadas pela organização.

Concluindo, um Programa de Compliance se torna pouco efetivo se os temas de ética e integridade não estiverem genuinamente presentes na cultura das organizações, traduzidas principalmente pelas ferramentas de gestão de pessoas. Pouco adiantará ter um sistema de conformidade se o momento de contratar, de demitir, de recompensar, de avaliar e de promover as pessoas na organização, não for norteado pelos padrões de ética e integridade – tendo o seu efeito amplificado quanto aos critérios utilizados para tomar as mesmas medidas no que se refere aos seus membros da liderança.

 

Para que as organizações avancem na criação e consolidação de uma cultura de integridade é imprescindível que promovam um comportamento ético indo além do mero cumprimento de normas. Se faz necessário uma mudança de mentalidade, onde o papel da liderança é vital e onde o sistema de gestão de pessoas pode ser o grande indutor dessa nova cultura.

 

Artigo baseado nos livros “Ética Empresarial na Prática”, de Alexandre Di Miceli e “Cultura e Poder das Organizações”, de Maria Tereza Fleury e Rosa Maria Fischer.