Fábio Risério
Nos últimos anos, organizações de toda natureza têm se deparado com questões críticas relacionadas à corrupção, fraudes, evasão fiscal, formação de cartéis, crimes ambientais, que na sua grande maioria, têm sido relacionadas a decisões advindas das suas lideranças. Os atos ilícitos relatados nos últimos anos têm levado não só turbulência e crises nas organizações envolvidas como também tem comprometido setores econômicos como um todo. E, via de regra, os atos que geraram essas turbulências recaem sobre indivíduos, com nome e sobrenome, que impactam com seu comportamento dimensões tão amplas.
O estudo National Business Ethics dos Estados Unidos, em 2016, onde foram entrevistados cerca de 300 executivos, aponta que a chamada “mensagem da liderança” tem papel crucial nas condições que favorecem ações de ilicitudes. Outro indicador extraído deste estudo demonstra que a maioria dos comportamentos antiéticos de líderes surgem como reação às expectativas de responder ao mercado financeiro e ao estabelecimento de objetivos relacionados ao modelo de incentivos, fortes fatores de pressão nas organizações.
Colocado isso, fica a questão: como estabelecer limites de ação nas organizações para garantir que padrões éticos e os valores organizacionais sejam norteadores das decisões das suas lideranças?
A implantação de Programas de Compliance pelas organizações é uma tentativa de buscar uma solução para esta questão. Atualmente, as organizações têm dedicado uma atenção e esforço para a criação de comitês e códigos de conduta e ética, implantação de canais de denúncias, designação de responsáveis pelos temas de compliance e ética, realização de treinamentos, ações de comunicação, entre outras iniciativas.
Mas, será que a implantação de Programas de Compliance estão sendo feitas dentro de padrões éticos? Neste sentido, vale destacar que a grande maioria das empresas envolvidas em escândalos éticos possuíam diversas áreas de controle e um conjunto de políticas em linha com as principais recomendações do mercado.
Outra questão surge: por que os programas de compliance não conseguiram promover um comportamento ético exemplar das lideranças nestas empresas? A resposta desta questão está baseada principalmente em três situações que fazem com que esses programas tenham tido uma eficácia limitada:
- Eles são concebidos sob uma perspectiva meramente legal. A conformidade com as normas não é tratada como algo importante, mas como um mero checklist que deve ser cumprido a fim de satisfazer o público externo. A conduta ética vai além da mera conformidade legal com as normas e, como resultado, a ética é mais que o compliance. Para promover um bom comportamento ético das lideranças nas organizações, é importante ter como foco não as proibições típicas dos programas de compliance, mas principalmente os aspectos positivos e as virtudes que todos devem exibir no ambiente de trabalho.
- As áreas de controle criadas por estes programas de compliance quase sempre ficavam desconectados da gestão diária das organizações, principalmente da alta liderança. Isso faz com que essas áreas passem a ser vistas como as únicas responsáveis pela conformidade com as normas, algo que é obrigação de cada colaborador da organização. Vale destacar também que, em algumas companhias, essas áreas não possuíam força política internamente para questionar práticas antiéticas vindas da alta liderança.
- Eles foram construídos para pegar as “maçãs podres” e desconsideraram os riscos éticos associados ao ambiente. Os Programas de Compliance dessas empresas tinham como foco coibir atos ilícitos realizados pelas lideranças à custa da organização, e não atos ilícitos realizados pelos líderes em favor da organização.
Se a implementação de Programas de Compliance não foram suficientes para garantir a conduta ética dos líderes destas empresas, qual é o caminho? A solução está na cultura organizacional, que é a combinação de valores, atitudes, hábitos, estilos e regras implícitas que geram o ambiente social e psicológico de uma organização. Ela reflete as normas de comportamento aceitas ou rejeitadas no dia a dia e no que é de fato valorizado no ambiente de trabalho, incluindo os líderes.
E como consolidar e preservar os valores éticos nas decisões tomadas pelas lideranças das organizações? Sem dúvida, o papel do sistema de gestão de pessoas é estratégico neste sentido.
Por sistemas de gestão de pessoas entende-se todos os processos que implicam decisões sobre pessoas (inclusive os líderes) e que enviam mensagens de comportamento esperado: quem é contratado, quem é demitido, como é composto o modelo de reconhecimento, quais os critérios da avaliação de desempenho e distribuição de lucros, como se decidem as promoções, como se dá o plano de carreira. São todas decisões que emitem mensagens de comportamentos esperados e sua influência é enorme na cultura das organizações.
Estudos realizados por especialistas indicam que dois aspectos, em especial, dentro do sistema de gestão de pessoas podem fomentar comportamentos antiéticos nas organizações:
- Metas irrealistas que levam pessoas ao limite, do ponto de vista ético, para batê-las e adotar uma visão de que é mais importante o resultado obtido do que os meios para o alcançar;
- Competição interna excessiva reforçada por um sistema de avaliação de desempenho no qual o “vencedor leva tudo”, que leva as pessoas a fazerem o que for necessário para sobreviver e não serem consideradas fracassadas pela organização.
Concluindo, um Programa de Compliance se torna pouco efetivo se os temas de ética e integridade não estiverem genuinamente presentes na cultura das organizações, traduzidas principalmente pelas ferramentas de gestão de pessoas. Pouco adiantará ter um sistema de conformidade se o momento de contratar, de demitir, de recompensar, de avaliar e de promover as pessoas na organização, não for norteado pelos padrões de ética e integridade – tendo o seu efeito amplificado quanto aos critérios utilizados para tomar as mesmas medidas no que se refere aos seus membros da liderança.
Para que as organizações avancem na criação e consolidação de uma cultura de integridade é imprescindível que promovam um comportamento ético indo além do mero cumprimento de normas. Se faz necessário uma mudança de mentalidade, onde o papel da liderança é vital e onde o sistema de gestão de pessoas pode ser o grande indutor dessa nova cultura.
Artigo baseado nos livros “Ética Empresarial na Prática”, de Alexandre Di Miceli e “Cultura e Poder das Organizações”, de Maria Tereza Fleury e Rosa Maria Fischer.