18 de fevereiro de 2021

Descomplicando o Programa de Compliance para o setor da construção


Fábio Risério

Com a grande repercussão e visibilidade no setor da indústria da  construção de escândalos de corrupção presentes na sociedade brasileira nos  últimos anos, podemos observar a importância da implementação dos  Programas de Compliance nas organizações do setor, seus pilares,  fundamentação legal, e, acima de tudo, a sua contribuição para a sociedade  em que vivemos.

 

No entanto, implementar um Programa de Compliance não é uma tarefa  fácil, pois requer muita dedicação, sensibilidade, persistência e o genuíno  engajamento com a causa, da alta administração e, não menos importante, de  todos os seus colaboradores e parceiros de negócios. Mas, como começar? O  que é preciso observar? Como entender as necessidades de sua organização?

 

Como é sabido, existem dezenas de organizações do setor da indústria  da construção no Brasil e cada uma delas com suas peculiaridades, como  atuação em regiões diferentes, estruturas organizacionais e modelos de  governança diferentes – ou a ausência deles –, valores, propósitos e objetivos  também muito divergentes.

 

Diante disso, contudo, cumpre ressaltar que este artigo não tem como  pretensão dizer o que é certo ou errado na implementação de um Programa  de Compliance, tendo em vista que não há uma fórmula pronta e precisa para  tanto, mas demonstrar que o entendimento de alguns elementos pode ajudar a  descomplicar o processo de sua implementação. O objetivo de simplificar esse  processo é contribuir para que as organizações da indústria da construção, sejam quais forem suas realidades, tenham condições de compreender a  essência de um Programa de Compliance e possam, dessa forma, estabelecer  seu próprio modelo de aplicação.

 

Para construir essa abordagem vamos dividir essa análise em quatro  aspectos:

 

  • essência da organização;
  • setor de atuação;
  • estrutura e ferramentas existentes;
  • capital humano.
  • ESSÊNCIA DA ORGANIZAÇÃO

 

  1. ESSÊNCIA DA ORGANIZAÇÃO
    Antes de começar a implementação de um Programa de Compliance em uma organização é necessário conhecer sua essência, a “alma da organização”. Qualquer coisa que for feita que não corresponda ou se conecte com esta essência, certamente terá problemas para alcançar seus objetivos.Assim, é preciso se ater a alguns elementos básicos da organização, sua visão, missão e valores, pois é algo que traduz na essência como essa companhia quer ser reconhecida, quais seus objetivos, como pretende alcançá los. Além disso, estes são os elementos fundamentais para entender a cultura que pode permeá-la. No entanto, nem sempre a visão, a missão e os valores de uma organização estão formalizados por códigos de conduta ou qualquer outro tipo de documento, mas estão presentes nas ações do dia a dia. Neste caso, o que se observa é que tais aspectos da organização vão além de belas frases escritas e expostas, mas, sim, estão na essência de como se faz as coisas, de como as pessoas se relacionam, de como cobra seus colaboradores. Em todas as relações e processos é que podemos ver como esses aspectos se concretizam.Sendo assim, entre outras coisas: 

      • Caso não exista ainda, estabeleça qual deve ser o propósito, a missão, a visão e os valores da organização. Isso exige uma avaliação genuína do que realmente é a sua organização;

     

      • Formalize esses elementos e comunique constantemente a todos da organização;

     

      • Considere esses elementos na contratação dos seus colaboradores, no reconhecimento, na avaliação etc.;

     

      • Garanta o alinhamento das práticas e estratégias de negócio, sempre com esses valores.

     

  2. SETOR DE ATUAÇÃO
    Conhecer o ambiente de sua organização também é necessário, apesar de parecer óbvio. É preciso entender de forma profunda quais são os principais atores, principais práticas etc. – como a companhia se insere e a partir daí qual o papel dela nesse setor. É vital conhecer e compreender as vulnerabilidades a que está exposta, como aspectos legais, regulatórios e reputacionais.A importância de conhecer o setor em que está inserida é que são nas relações existentes dentro dele que as práticas de compliance podem e devem influenciar. Toda organização está ligada a um setor com parceiros, associados, fornecedores, reguladores, colaboradores e é na relação entre estes atores que as condutas inadequadas se estabelecem. Portanto, sem conhecer profundamente tudo isso, possivelmente, as práticas de compliance poderão não ter a efetividade necessária.
  3. ESTRUTURA E FERRAMENTAS EXISTENTES
    Durante a implementação de um Programa de Compliance, devemos considerar sua estrutura e ferramentas específicas que o sustentem e é nisso, muitas vezes, que as organizações encontram as maiores dificuldades. Qual deve ser o tamanho desta estrutura ou a complexidade destas ferramentas?Considerando que as companhias possuem realidades, ameaças, tamanhos e recursos em diferentes proporções, é fundamental que construam seus programas de acordo com estes aspectos.Em relação à estrutura, descomplicar quer dizer se adequar, ou seja, não será eficiente implementar um Programa de Compliance sofisticado se a estrutura da organização é enxuta. Nesse caso, o foco é implementar um programa que atenda a todos os aspectos essenciais e legais, porém se adaptando à estrutura existente. 

    No que tange as ferramentas, descomplicar quer dizer pensar nos processos implementados que a companhia já possui, como políticas e procedimentos. Por exemplo, se um Programa de Compliance é necessário para avaliar o risco perante seus fornecedores, não é preciso criar algo específico para isso. Caso a organização possua um processo de homologação de fornecedores, por mais simples que seja, basta incluir algumas verificações relacionadas aos aspectos de compliance, e terá um processo aprimorado de avaliação.

     

    Dessa forma, o essencial é que as organizações possuam os recursos suficientes para a implementação do seu Programa de Compliance, adaptado à sua realidade, seus recursos e seus riscos. Para tanto, é necessário:

     

      • Entender quais processos a organização possui atualmente e que podem incorporar aspectos de compliance;

     

      • Avaliar criativamente de que forma se pode implementar outros aspectos de Programa de Compliance sem comprometer os recursos da organização e os adaptando à sua realidade;

     

      • Revisar sempre as práticas, ferramentas e estrutura de compliance frente aos riscos e ao tamanho e complexidade da organização, pois a qualquer momento as necessidades podem mudar;

     

      • Independente do formato ou tamanho, implementar práticas que sejam efetivas, ou seja, que compensem os recursos aplicados.

     

  4. CAPITAL HUMANO
    O capital humano de uma organização é um de seus principais ativos e, para a implementação de Programa de Compliance, este é um elemento essencial, pois todos os riscos de compliance que mais preocupam as organizações, basicamente, estão relacionados às relações e às condutas das pessoas. Diante disso, estas são a base de um Programa de Compliance e são fundamentais para descomplicar a implantação do mesmo.O primeiro aspecto é o compartilhamento de conhecimento, porque, por mais que uma organização possua um profissional responsável pelo Programa de Compliance e, independentemente do conhecimento deste, ele não conseguirá sozinho dar conta de implementar um programa de forma efetiva.Em seguida, o engajamento, envolvimento e capacitação do capital humano da organização, para que todos, ou o maior número possível de pessoas envolvidas, possam contribuir e colaborar com a consolidação do Programa. Neste aspecto é fundamental que as pessoas conheçam as regras de conduta da organização, sejam elas mais simples ou mais detalhadas e complexas. É importante que todos saibam quais são as regras do jogo, para que depois todos possam, ao mesmo tempo, segui-las e vigiar seu cumprimento. 

    Outro quesito é a busca pelo capital humano adequado aos valores e princípios da organização. Não há momento melhor para tentar verificar a aderência aos valores dos profissionais do que antes que eles entrem na companhia e possam fazer algo que viole suas regras de conduta.

     

    Por fim, mas não menos importante, é o aspecto do exemplo. O modelo que deve partir dos líderes, da alta administração, além dos exemplos sobre as suas atitudes tomadas em relação aos desvios de conduta na organização. Não há forma melhor de comunicar e treinar do que em cima de casos concretos, de exemplos práticos daquilo que não deve ocorrer e das consequências que isso pode trazer para cada um. Assim sendo, quando se trata de capital humano de uma organização como sustentação de um Programa de Compliance, o ideal é:

     

      • Ao estabelecer regras claras de compliance, simples ou complexas, comunicar isso a todos constantemente;

     

      • Mapear quais são, hoje, as formas mais efetivas de comunicação utilizadas pela organização e usar o canal e a experiência dos profissionais da área para alcançar todos os públicos possíveis com informações sobre compliance;

     

      • Utilizar também os canais de comunicação para reforçar constantemente o papel de todos no processo de compliance;

     

      • Implementar uma agenda de capacitação das pessoas nos temas de compliance.

     

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

 

O objetivo desse artigo é trazer aspectos que possam, de alguma forma, ajudar a descomplicar ou até mesmo desmitificar a complexidade da  implementação de Programas de Compliance em uma organização da indústria  da construção. 

 

Compliance, na essência, pode ser “fazer a coisa certa, do jeito certo” e, quando se olha dessa forma, pode-se imaginar que é algo simples de alcançar.  Porém, quando isso é trazido para a realidade de uma companhia, onde não é  possível controlar a tudo e a todos, passa-se a depender de que os outros  façam a coisa certa e do jeito certo, e o processo se torna um pouco mais  difícil.

 

Tendo isso em mente, e compreendendo que cada ferramenta ou prática  de compliance pode ser simplificada para a realidade da organização, a  implementação do Programa se torna mais viável e duradoura. 

 

O segredo está em trazer o compliance para a vida da companhia,  permeando cada relação que já exista, processos que já estejam  estabelecidos. A organização tem que perceber que os princípios da  integridade estão em tudo, na forma como se relaciona com as pessoas,  quando se toma decisões, quando se compra ou vende algo, quando se  constrói ou destrói algo. 

 

Cabe reforçar, ao final de tudo, que não existe a fórmula certa, o modelo  ideal, ou a receita exata para o sucesso de um Programa de Compliance. Cada  companhia deve descobrir quais são as práticas que melhor lhe cabem e que  vão propiciar o mais importante: o caminho certo. As organizações da indústria  da construção devem descomplicar, criar, implementar e reimplementar e, assim, cada vez mais existirão empresas efetivamente engajadas com aquilo  que é certo, o que beneficiará não só à ela e ao setor da indústria da  construção, mas à sociedade como um todo. 

 

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA: 

 

LEONEL, Matheus; MONTENEGRO, Carla. Descomplicando um  Programa de Compliance: uma tentativa de simplificar o entendimento e  buscar alternativas que tornem mais efetiva sua implementação. São  Paulo: Editora Sanar, 2016.